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Plano de Saúde Popular é retrocesso de direitos

23 de fevereiro / 2017
Direito nas Áreas Médica e de Saúde

Autor: Rodrigo Araújo

Data: Fevereiro/2017

A proposta de criação de planos de saúde populares é retrocesso legislativo e incentivo ao crescimento de planos de saúde que oferecem pouco e entregam ainda menos. A cobertura deficitária e insuficiente de tratamentos pelos planos populares associada a redução de investimentos na saúde pública é sinal de um crise ainda mais grave do sistema de saúde. Leia mais.

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A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) constituiu, no final de janeiro, um grupo técnico para avaliar as sugestões encaminhadas pelo Ministério da Saúde, referentes a proposta de criação de planos de saúde acessíveis, também chamados de planos de saúde populares.

Uma das sugestões encaminhadas pelo Ministério da Saúde foi a oferta de um plano com cobertura apenas para consultas e exames. Neste caso, uma vez diagnosticada uma doença que exija um tratamento mais complexo, como por exemplo cirurgia, quimioterapia e radioterapia, o paciente teria que buscar esse atendimento através do Sistema Único de Saúde (SUS) ou teria que custear as despesas com recursos próprios.

Outra sugestão foi a criação de planos de saúde com cobertura exclusivamente regional, cujos tratamentos oferecidos aos beneficiários ficassem restritos àqueles que estão disponíveis dentro dessa região de cobertura.

Também está sendo analisada a possibilidade de ampliação dos prazos máximos para atendimento e do aumento do valor da coparticipação, quando prevista no contrato.

A proposta, entretanto, pode comprometer ainda mais o já precário SUS, sem reverter em real ganho para o consumidor disposto a pagar por esse serviço.

Tratamentos não cobertos

O paciente que precisar de serviço não coberto por esses planos terá que recorrer ao SUS.

O problema é que o sistema de atendimento do SUS não permite que um paciente com recomendação de um médico particular ou de convênio possa buscar o tratamento diretamente perante o serviço que lhe foi indicado.

Assim, se alguém se dirigir ao SUS com recomendação para se submeter a uma cirurgia, terá que agendar uma consulta no posto de saúde para ser encaminhado para um médico especialista do SUS e é este médico quem irá indicar ou não a cirurgia, o que poderá demorar meses para acontecer.

A queixa contra esse sistema é que não faz sentido exigir que a prescrição do médico particular tenha que ser “validada” por um médico do SUS.

Por outro lado, ao permitir que esse paciente “pule” diretamente para a fila da cirurgia, o sistema estará preterindo quem não teve dinheiro para pagar a consulta particular e aguarda, há meses, a sua vez de ser atendido.

Em ambos os casos, não há culpa do paciente e é provável que muitos procurem a solução através do Poder Judiciário, aumentando as causas de Judicialização da Saúde.

E no caso dos planos de saúde regionais?

Planos regionais já existem e são obrigados a garantir a cobertura de todos os tratamentos médicos, ainda que não estejam disponíveis na região em que a operadora mantém sua rede credenciada de atendimento.

Assim, para evitar pagar muito mais caro, em hospitais não credenciados, pelos serviços não disponíveis na região, muitas operadoras optam por ter um hospital próprio e oferecer através desses hospitais a maioria dos procedimentos de alta complexidade.

Não é por outro motivo que, em cidades do interior, os hospitais próprios das operadoras de saúde costumam ter o melhor serviço médico/hospitalar.

Com a aprovação da proposta do Ministério Público, a operadora não teria mais que assumir o custo de procedimentos não existentes na região contratada e, sem ter essa obrigação, não há motivos para modernizar o serviço oferecido.

Melhor do que pagar menos é não ter que pagar nada.

Ao invés de ter interesse em modernizar os recursos para diminuir os gastos, a operadora terá interesse em manter uma rede com recursos desatualizados para nem ter custo nenhum.

Preço supostamente baixo pode não ser mantido

Planos de saúde são oferecidos na forma de contratos individuais ou coletivos. Se o plano popular for aprovado e passar a ser comercializado nas duas formas, não há garantia de manutenção de preço baixo a longo prazo.

Isso porque somente o reajuste dos contratos individuais é fiscalizado pela ANS e, ainda assim, são mais elevados do que o índice de inflação.

No caso dos contratos coletivos, além do reajuste financeiro acima da inflação, as operadoras aplicam também o reajuste de sinistralidade para repor a margem de lucro e a ANS não fiscaliza esses contratos.

Retrocesso das leis

Em 1990, foi aprovado o Código de Defesa do Consumidor, um marco regulatório cuja importância não diminuiu nada até os dias de hoje. Foi através dele que diversas ações extremamente abusivas praticadas pelos grandes fornecedores de produtos e serviços passaram a ser proibidas.

Anos depois, em 1998, foi promulgada a Lei dos Planos de Saúde, Lei n. 9.656/98, que regulamentou o setor de saúde suplementar e tornou ainda mais específica e eficaz a proteção dos direitos dos consumidores desse serviço.

Até então, os planos de saúde limitavam diárias de internação hospitalar, sessões de hemodiálise, tratamento para doenças crônicas, materiais cirúrgicos sem os quais era impossível realizar a cirurgia, entre tantas outras práticas abusivas.

Aproximadamente duas décadas após a regulamentação do setor, querem reverter todas as conquistas obtidas pelos consumidores após tantos anos de abusos.

E não fazem isso pensando no Sistema Público de Saúde que, conforme já mencionado, ficará ainda mais sobrecarregado.

Os únicos participantes da sociedade que se beneficiarão com a aprovação dessa proposta são as operadoras de saúde e, provavelmente, quem as tiver apoiado.

Plano de saúde com muitas restrições de cobertura, limitados aos recursos existentes apenas dentro de sua área geográfica, com maior prazo para liberação de tratamentos, com a possibilidade de cobrança de percentuais maiores de coparticipação e sem intervenção da ANS no teto do reajuste?

O país já viu esse filme e não é spoiler dizer que o mocinho, no caso o paciente, morre no final.

 

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