Brasil não incentiva empresas a oferecer plano de saúde para empregados
Saúde é um dever do Estado, mas o Brasil, há muito, não consegue atender a demanda de seus cidadãos por um sistema de saúde público eficiente.
Em razão disso, muitas pessoas passaram a custear suas despesas com saúde por meio de serviços privados, notadamente os planos privados de assistência à saúde.
Mas, ainda assim, são poucos aqueles que conseguem pagar por um plano de saúde e, nesse ponto, é essencial a iniciativa privada de empresas que oferecem esse serviço na forma de um benefício para seus empregados.
Atualmente, cerca de 67% do total de usuários de planos de saúde no país são beneficiários de planos oferecidos por seus empregadores, mas as empresas que contratam esse serviço para seus empregados têm cada vez menos motivos para oferecer esse benefício.
Não é por outro motivo que, atualmente, somente empresas que estão obrigadas a oferecer o plano de saúde por força de normas coletivas continuam a mantê-lo.
Compensação tributária é para poucas empresas
Apesar de estarem assumindo uma responsabilidade que é do Estado, poucas empresas contam com benefícios tributários para compensar essas despesas. Isso porque somente aquelas que são tributadas pelo regime de lucro real podem abater os custos do plano de saúde na tributação do imposto de renda.
Assim, empresas inscritas no SIMPLES ou tributadas sob o regime de lucro presumido – a maioria das empresas de pequeno e médio porte – não têm nenhum benefício tributário com a concessão do plano de saúde para empregados.
Reajuste imprevisível
Outro importante fator de risco decorre do reajuste anual da mensalidade desse serviço. O plano de saúde empresarial sofre dois tipos de reajuste a cada ano, aplicados em uma única oportunidade.
Um deles é o reajuste financeiro que tem como base a variação dos custos médicos e hospitalares. Outro é o reajuste por sinistralidade, que objetiva garantir um lucro mínimo para a operadora, chamado de margem técnica, normalmente estabelecido em 30% do valor arrecado.
Se esse lucro não for atingido ou, pior, se a operadora apurar prejuízo para este contrato, ela poderá cobrar a diferença através desse reajuste por sinistralidade, que não é regulamentado e nem fiscalizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e não tem teto máximo estabelecido por Lei.
Em razão disso, a maioria dos contratos empresariais sofre reajustes superiores a 20% ao ano, muito acima da inflação ou de qualquer outro índice de mercado. Em muitos desses contratos, o reajuste chega a superar o índice 40%, tornando inviável a manutenção do contrato.
Quando a negociação falha, a única alternativa dessas empresas é trocar a operadora do plano de saúde.
Direito adquirido
Uma vez disponibilizado o plano de saúde, o benefício se torna direito adquirido do empregado e não poderá ser cancelado.
É evidente que não se está defendendo que o empregador possa cancelar o benefício quando bem quiser, mas em situações de extrema dificuldade financeira em que a empresa se veja na situação de ter que demitir funcionários, cortar alguns benefícios, ainda que temporariamente e sob supervisão de um sindicato, pode ser menos ruim do que cortar empregos, tal como aconteceu nos últimos três anos.
Falta representação
O empresariado é o maior consumidor dos serviços de assistência médica privada. Do total de 47 milhões de beneficiários de planos de saúde no País, cerca de 67% são usuário de planos de saúde empresariais, conforme mencionado acima.
Esse potencial de consumo, entretanto, não reverte em favor das empresas. De todos os participantes desse mercado, o empresariado é o único que não possui nenhuma representatividade.
As normas aprovadas pelo legislativo e pela ANS são direcionadas apenas aos consumidores pessoas físicas ou às operadoras de saúde. Não há nenhuma norma que tenha sido pensada e aprovada para defender os interesses dessas empresas e não há nenhuma entidade ou associação que as represente de forma coletiva perante os órgãos legisladores.
Outro problema dessa falta de representatividade é que cada empresa negocia condições contratuais e índices de reajuste de forma isolada com as operadoras de saúde, o que as enfraquecem nessa negociação.
Dividir conta com o empregado aumenta o risco
A empresa pode decidir entre custear integralmente o plano de saúde ou cobrar uma parte desse valor do empregado.
Se optar por dividir a conta com o empregado, este passará a ter direito a manutenção do plano de saúde por um determinado período de tempo após a rescisão do contrato de trabalho se tiver sido demitido por justa causa ou tiver se aposentado.
O ex-empregado que mantém o plano de saúde tem que pagar o valor integral da mensalidade, mas o problema é que esse ex-empregado continua vinculado ao contrato e, portanto, aumenta a sinistralidade cada vez que utiliza o serviço.
Quando a empresa forma uma carteira de ex-empregados composta por uma maioria de pessoas idosas, há um grande risco de utilizarem mais o serviço e, com isso, impactarem na sinistralidade do contrato, provocando reajustes muito elevados que incidirão para todo o contrato.
INSS sobre valor do plano de saúde
Como se isso tudo já não fosse suficiente, neste mês de outubro, foi publicado o acórdão proferido pelo Comitê Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que decidiu, em última instância administrativa, que as empresas que oferecem plano de saúde com diferentes padrões entre seus empregados terão que incluir o valor do benefício no salário de contribuição do funcionário.
Salário de contribuição é a totalidade dos rendimentos pagos ao empregado sobre os quais há incidência de INSS sob a alíquota de 20% para o empregador e de 8 a 11% para o empregado.
Segundo a decisão, o artigo 28, III, § 9º, alínea ‘q’, da Lei da Seguridade Social (Lei n. 8.212/91), que estabelece que o valor referente à assistência médica ou odontológica não integra o salário de contribuição, se aplica apenas quando todos os empregados e diretores são contemplados com o mesmo padrão de cobertura no plano de saúde.
Assim, empresas que disponibilizam um plano de saúde de padrão superior para diretores e gestores e outro, de padrão inferior, para os demais empregados não se beneficiam dessa norma e terão que pagar mais 20% de INSS sobre o valor da mensalidade do plano de saúde.
Um problema da saúde pública
Essa falta de incentivo por parte do Estado e a parca proteção legal destinada às empresas é um problema muito mais amplo do que aparenta ser.
Aumentar o número de trabalhadores com acesso a planos privados de saúde é fundamental para o sistema de saúde como um todo. Atualmente, mais de 3/4 da população brasileira conta apenas com o Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso a serviços médicos.
O Estado nunca foi hábil a garantir saúde para todos, tal como lhe determina a Constituição Federal e, nos últimos anos, a crise econômica, a má gestão dos recursos e o desvio de verbas para a corrução tornou esse serviço ainda pior, revelando o que se tornou a pior crise vivenciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua criação.
Falta investimento, mas com a limitação dos gastos públicos em saúde instituída pela PEC 241, a solução parece que não virá com a ampliação de investimentos.
Se não há como gastar (investir) mais, a solução é cortar despesas, mas não se pode racionar ou restringir o acesso a tratamentos pela população que depende do SUS.
Logo, a melhor ou até mesmo a única solução é diminuir a quantidade de pessoas que dependem do SUS e isso só é possível através do acesso a planos de saúde privados, com cobertura para tratamentos ambulatoriais e hospitalares, inclusive os de alta complexidade, antes que se fale na famigerada proposta de planos de saúde populares apresentada pelo Ministro da Saúde.
Portanto, é fundamental que os empregadores se interessem e sejam incentivados a oferecer esse benefício aos seus empregados, mas isso não pode ser feito de forma compulsória, até porque o responsável pela garantia de saúde para os cidadãos é o Estado e essa responsabilidade não pode ser transferida para empresas privadas sem a devida compensação pelo Estado.